sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Um conto frio

E mais uma vez comecei um conto e mais uma vez travei no meio do caminho... Cruel essa vida de escritora!
Bom, assim eu repassei o desafio pro meu autor favorito: Ton Botticelli. Que pegou o texto que eu havia feito, que se resumia do título até "[...] no meu peito." e continuo colocando um clima muito tenso.

Assim, aproveitem e comentem, para mim e para o escritor!
AC
In(v)erno

          O chão estava liso, cada passo estava se tornando um desafio para o meu corpo. Minha mente já estava estafada. E os gritos continuavam a resoar no meu peito. Eu não conseguia avançar, nem retroceder, minhas mãos já calejadas de tanto bater contra as paredes que a névoa densa formava. Poderia parar e chorar, mas tinha medo que as lágrimas congelassem antes de saírem das minhas bochechas.
          Lá fora as pessoas caminhavam, sorridentes e felizes, presentes em mãos, trocas de palavras gentis e bebidas quentes. A solidão de estar sozinho na multidão é maior do que o medo de estar isolado em um grupo hermético, anatural, como aqueles que cultivei na adolescência. Venderia todas as minhas honras, o orgulho, os diplomas, por uma simples conversa a dois, a três, a cinco que fosse, em um bar local. Valeria muito mais do que os anos em minhas costas, pesados como rochas.
          É o inverno, ele não está chegando, está aqui, e me faz oponente uma vez mais, digno e imponente como sempre, gélido como a morte. Morte, velha conhecida, está ali na esquina me esperando, com seu manto negro e sua foice brilhante. Até ela parece mais confortável do que eu, imagino que seus ossos não estejam assim, tão espinhados quanto os meus, e o calafrio que me percorre só me lembra de não ter comprado ainda roupas adequadas. Falta de tempo, falta de vontade.
          Começo a trocar as palavras, começo a errar os sons. Rio da pronúncia que inverno soa quando grito “Maldito seja, Inferno!”. Conveniente, convincente, arrogante. Tomo como meu rival e unicamente meu, esta estação endemoniada. Tenho medo dela, é verdade, mas nestas ruas, nesta noite, sou o rato acuado que morde o gato. Volto a dar meus passos, procurando a saída do labirinto cruel em que me meti. O chão ainda está liso, escorregadio, e acho que cada pensamento me faz ainda mais propenso a cair, como se acumulassem em nuvem obesa sobre minha cabeça.
          Enfim, vejo o vulto se aproximar, sua arma desferindo cortes pelo ar, abrindo o próprio vento em dois. Eu a vejo, e espero sua deixa para me despedir de todos. Mas algo me surpreende. Seu mato não é tão negro, é muito mais como um cinza-escuro, do tipo das capas usadas nesta época, e a lâmina se revela ainda mais clara, como o facho de uma lanterna. Uma barba espessa, branca, se projeta do capuz.
          - Ei, o que está fazendo aí, menina? – pergunta o guarda, apontando para mim aquela luminosidade.
          - Nada. – eu respondo, encabulado. – Apenas me perdi. Pode me indicar a saída?
          - Por ali. Mas vá rápido! Estamos fechados já!

          E eu caminho, me esgueirando dele porquanto passo. Quando enfim cruzo o portal, viro-me para agradecer, mas ele não está mais lá. O chão está firme agora, e a névoa se fechou, levando com ela o parque. Eu sinto o mesmo frio, e isso me dá a impressão de que talvez não tenha realmente saído. Mas o que sei? É inverno. E estou sozinha e com frio.

2 comentários:

  1. Quando você me dá esses desafios, eu não consigo me afastar do trabalho e acaba saindo essas loucuras de madrugada. Mas valeu a pena, né? XD O resultado ficou bom, pelo menos pra mim!

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    1. Eu curti sim e é bom te desafiar justamente por isso, você mostra uma linda dedicação ao escrever!

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